O presente artigo pretende demonstrar que a opção legislativa disciplinada no art. 84 da Lei Federal nº 13.019/14 de não aplicar às parcerias regidas por ela as regras da Lei Federal nº 8.666/1993 e de limitar o sentido de convênio aos convênios celebrados entre entes federados e aos constitucionalmente permitidos nos serviços de saúde complementar), tem por consequência o reconhecimento dos acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres, nos termos do art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993, como categoria distinta e não suplantada pela Lei Federal nº 13.019/14.
Ana Alvarenga de Magalhães Moreira – mestre e doutora em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Procuradora do Município de Belo Horizonte. Diretora Jurídico-Administrativa da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte.
Luana Magalhães de Araújo Cunha – mestre e doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Gerente de Apoio às Parcerias da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte.
Resumo:
O presente artigo pretende demonstrar que a opção legislativa disciplinada no art. 84 da Lei Federal nº 13.019/14 de não aplicar às parcerias regidas por ela as regras da Lei Federal nº 8.666/1993 e de limitar o sentido de convênio aos convênios celebrados entre entes federados e aos constitucionalmente permitidos nos serviços de saúde complementar), tem por consequência o reconhecimento dos acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres, nos termos do art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993, como categoria distinta e não suplantada pela Lei Federal nº 13.019/14.
Palavras Chave: Parceria. Convênio. Congênere. Administração Pública. Termo de Colaboração. Termo de Fomento. Acordo de Cooperação. Termo de Cooperação.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e Formalização das Parcerias; 3. Parceiros: a administração pública e as organizações da sociedade civil; 4. O art. 84 da Lei Federal nº 13.019/2014 e a limitação dos convênios; 5. O art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993 e seus instrumentos previstos; 6. Considerações Finais.
Introdução
Em 1º de janeiro de 2017 entrou em vigor para os Municípios a Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014 (regulamentada, em Belo Horizonte, pelo Decreto nº 16.746, de 11 de outubro de 2017), que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. É norma estruturante, de caráter nacional, que normatiza as relações estabelecidas entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e as organizações da sociedade civil, quando essa relação se estrutura na mútua cooperação e objetiva a consecução de finalidades de interesse público e recíproco.
O regime jurídico das parcerias é mais uma forma de contratualização da administração pública com as pessoas jurídicas de direito privado, especificamente, com as organizações da sociedade civil, que surge da necessidade de se reconhecer as particularidades dessa relação, em especial pela natureza dos parceiros e dos objetos executados. As parcerias somam-se aos já tradicionais contratos, convênios e outros instrumentos congêneres previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
Como uma legislação que pretende trazer previsibilidade, clareza e transparência às relações jurídicas estabelecidas entre o poder público e as organizações da sociedade civil a Lei Federal nº 13.019/14, traz definições, dentre outras, quanto à abrangência de sua aplicabilidade não apenas com relação às pessoas envolvidas como também nos termos em que a relação jurídica por elas estabelecida deve se dar. Nesse sentido, para que sejam aplicadas as normas contidas na Lei e, consequentemente, no Decreto nº 16.746/17, é preciso que a parceria se estabeleça: i) em uma relação jurídica formal de mútua cooperação e interesse público e recíproco; ii) que a administração pública figure em um dos polos da relação; iii) que o outro polo seja ocupado por uma organização da sociedade civil.
Mas e as relações firmadas entre o Poder Público e instituições de outra natureza, que não as OSCs? E aquelas que, independentemente de qual a natureza jurídica da contraparte, não entabulam programas e projetos tal qual definidos na Lei 13.019/2014? E mais: a proibição explicitada na lei, de que a Administração Pública firmasse “convênios” senão com outros órgãos e entes da própria administração e aqueles previstos constitucionalmente, proibiria a própria relação entre Estado e entes do segundo e terceiro setor distintos das parcerias estabelecidas pela Lei 13.019/2014 e dos convênios relativos ao Sistema Único de Saúde, determinados pela Constituição?
É o que se pretende desenvolver no presente artigo.
Conceito e formalização das Parcerias
Parcerias são, nos termos do art. 2º, III, da Lei o conjunto de direitos, responsabilidades e obrigações realizado por meio da execução de projetos (operações limitadas no tempo) ou atividades (operações que se realizam de modo contínuo ou permanente) de interesse público e recíproco, em regime de mútua cooperação. Assim como os contratos em sentido estrito, as parcerias também decorrem da livre manifestação de vontade dos envolvidos, podendo ser entendida como uma espécie de negócio consensual. Contudo, as parcerias se distinguem dos contratos stricto senso em decorrência da natureza dos interesses estabelecida entre os participantes. Se no contrato os interesses são diferentes e antagônicos, nas parcerias os envolvidos objetivam a consecução de uma mesma finalidade, convergindo esforços para a realização de interesses comuns, análogos.
José dos Santos de Carvalho Filho em passagem sobre a diferenciação de contratos e convênios faz elucidativa afirmação capaz de ilustrar, nesse ponto, também a distinção entre contratos e parcerias
Nesse tipo de negócio jurídico [convênio], o elemento fundamental é a cooperação, e não o lucro, que é almejado pelas partes no contrato. De fato, num contrato de obra, o interesse da Administração e a realização da obra, e o do particular, o recebimento do preço. Num convênio de assistência a menores, porém, esse objetivo tanto é do interesse da Administração como também do particular. Por isso, pode-se dizer que as vontades não se compõem, mas se adicionam. 1
É a intenção cooperativa dos participantes de somar esforços e potencialidades na melhor execução do objeto do acordo que melhor conceitua a relação jurídica de parcerias. A Lei de Parcerias também exige que a formalização do acordo se dê por meio de um dos três instrumentos jurídicos por ela relacionados, impedindo a criação ou a combinação de modalidades. São eles: termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação.
Termo de colaboração é o instrumento jurídico utilizado quando o projeto ou atividade objeto da parceria é proposto pela administração pública e envolve a transferência de recursos financeiros da administração para a organização da sociedade (art. 2 º, VII). Termo de fomento é o instrumento utilizado quando há transferência de recursos financeiros da administração para a organização da sociedade, contudo a proposta de objeto a ser executado pela parceria parte da organização da sociedade civil (art. 2 º, VIII). Por fim, o acordo de cooperação é o instrumento utilizado, independentemente da iniciativa de proposição da parceria, quando não envolve a transferência de recursos financeiros, ainda que haja comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial (art. 2 º, VIII-A).
Assim, sempre que estiver se tratando de parcerias, a relação jurídica da administração pública com a organização da sociedade civil será formalizada por meio de um termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação, da mesma forma que esses instrumentos só podem ser utilizados no contexto das parcerias.
Contudo, não basta que a relação jurídica seja estabelecida tendo em vista interesse público e recíproco, em regime de mútua cooperação. É preciso ainda, para se configurar a parceria, que os parceiros sejam, necessariamente, a administração pública de um lado e uma entidade privada definida como organização da sociedade civil do outro. Mas quem são esses sujeitos segundo a Lei Federal nº 13.019/2014?
Parceiros: a administração pública e as organizações da sociedade civil
O conceito de administração pública disciplinado na Lei é o mais amplo possível, abarcando não só a administração direta de todos os entes federados como também as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, como se depreende do art. 2º, II:
Art. 2o
[…]
II – administração pública: União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo disposto no § 9o do art. 37 da Constituição Federal;
Somente haverá parceria, a ser regulamentada pela Lei Federal nº 13.019/2014, quando a relação de mútua cooperação para atendimento de interesse público e recíproco se der entre um ente conceituado como administração pública e um outro definido como organização da sociedade civil.
Organização da sociedade civil é a pessoa jurídica de direito privado sem finalidade lucrativa que aplique integralmente o patrimônio auferido no próprio objeto social. Essas pessoas jurídicas podem ser constituídas de variadas formas como, por exemplo, associações, fundações de direito privado, cooperativas e entidades religiosas, nos termos do art. 2º da Lei:
Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se:
I – organização da sociedade civil:
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;
A opção legislativa foi por definir as pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade lucrativa como “organização da sociedade civil”. Trata-se de opção que visa a designar as entidades pelo que são – sociedade civil organizada -, e não pela abstenção de determinadas características, tal como “organização não governamental”, que as conceitua a partir da negação da natureza governamental, ou por empréstimo de nomenclatura de origem econômica, “terceiro setor”, em sequência ao Estado e ao Mercado, respectivamente o primeiro e o segundo setores.
Há, contudo, casos em que apesar de enquadrarem no conceito de organização da sociedade civil a Lei excetuou, expressamente sua aplicação, e consequentemente a celebração da parceria por meio da formalização de um termo de colaboração, fomento ou acordo de cooperação. Tal ocorre porque outras normativas estabelecem formas próprias de contratualização, como são exemplos a organização social (OS) excetuada pelo art. 3º, III, e regulamentada pela Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998 e, em Belo Horizonte, pela Lei nº 10.822 de 23 de junho de 2015; a organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) excetuada pelo art. 3º, VI e regulamentada pela Lei Federal nº 9.790, de 23 de março de 1999,2 ou por opção meramente política-administrativa, como as anuidades, contribuições ou taxas associativas pagas a entidades de classe constituídas por servidores públicos ou organismos internacionais (art. 3º, XI) e parcerias celebradas com serviços sociais autônomos.
Nesses, e nos demais casos de exceção indicados pelo art. 3º da Lei 13019/2014,3 em que pese se tratarem de entidades privadas sem finalidade econômica – ou seja, conformarem-se à definição legal de Organização da Sociedade Civil -, não há submissão às exigências da Lei 13.019/2014 (e consequentemente ao regime de parcerias) para a celebração de negócios jurídicos com a Administração Pública.
Logo, quando a administração pública formalizar um instrumento jurídico baseado na mútua cooperação e objetivando o atendimento de um interesse público e recíproco com uma organização da sociedade civil não excepcionada, deverá fazê-lo se valendo das determinações estabelecidas na Lei Federal nº 13.019/14, conforme se depreende do seu art. 414
- O art. 84 da Lei Federal nº 13.019/2014 e a limitação dos convênios
Além de estabelecer a abrangência do conceito de parceria e de definir os instrumentos hábeis a sua formalização, a Lei Federal nº 13.019/14 também determinou, em seu art. 84, o campo de aplicação dos convênios disciplinados pela Lei Federal nº 8.666/1993, limitando sua existência:
Art. 84. Não se aplica às parcerias regidas por esta Lei o disposto na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
Parágrafo único. São regidos pelo art. 116 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, convênios:
I – entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas;
II – decorrentes da aplicação do disposto no inciso IV do art. 3º.
Tal qual as parcerias, os convênios também se identificam por ser modalidade de contratualização em que os envolvidos atuam conjuntamente em prol do atingimento de um objetivo comum, a realização com mais eficiência, de um objeto de interesse público. Essa similitude é tão significativa que antes da existência da Lei Federal nº 13.019/14 as relações jurídicas hoje enquadradas como parcerias eram processadas como convênios, nos termos do art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993.
Contudo, após a vigência da Lei, a celebração dos convênios ficou restrita, nos termos de seu art. 84-A: i) às relações jurídicas formalizadas entre os próprios entes da administração pública; ii) às celebrações entre a administração pública e as entidades filantrópicas e sem fins lucrativos que participam de forma complementar e conforme as diretrizes do sistema único de saúde. Logo, apenas nas duas hipóteses descritas acima está a Administração Pública autorizada a celebrar o convênio a que alude a Lei Federal nº 8.666/1993.5
Percebe-se que a Lei Federal nº 13.019/14 não revogou o art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993, extirpando as figuras lá previstas do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas restringiu o campo hermenêutico do termo “convênio”, limitando-o a um instrumento com cabimento específico. Dessa feita, não apenas os convênios, como todos os demais instrumentos congêneres elencados no referido artigo seguem vigorando.
- O art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993 e seus instrumentos previstos
A Lei Federal nº 8.666/1993 é uma lei nacional que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos – nos termos do art. 22, XXVII da Constituição Federal – que prevê, expressamente, em seu art. 116, a aplicação de seus termos aos “convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres”.
É regra hermenêutica que a lei não contem palavra ou expressão inútil ou sem efeito: verba cum effectu sunt accipienda.6
Carlos Maximiliano explica com acuidade a regra, nos seguintes termos:
Literalmente: “Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.”
As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis
Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada um a a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva. Este conceito tanto se aplica ao Direito escrito, como aos atos jurídicos em geral, sobretudo aos contratos, que são leis entre as partes. Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma.7
Assim, todas as palavras contidas na lei têm força obrigatória. Não é possível que se ignore conteúdo normativo ou que se desconsidere a existência efetiva de cada expressão contida na norma.
Partindo dessa premissa, todas os instrumentos elencados no art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993 possuem um significado não abarcado pelas demais, de tal forma que não é possível que se interprete a expressão “outros instrumentos congêneres” (gênero), de que são espécies os acordos e ajustes, como simples sinônimo de convênios.
Ou seja, convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres são modalidades distintas de contratualização com a Administração Pública, devendo possuir particularidades que as diferencie. Nesse sentido, ao limitar o sentido apenas do termo “convênio” (atribuindo-o aos convênios federativos e aos constitucionalmente permitidos aos serviços de saúde complementar), a Lei Federal nº 13.019/14 reconheceu a existência de uma série de relações jurídicas não enquadradas nas categorias de contratos, convênios e parcerias, restando a ela as previsões do art. 116 da Lei Federal nº 8.666/1993 no que tange aos acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres.
O congênere é, portanto, um instrumento jurídico assemelhado aos convênios e parcerias, haja vista se consubstanciar em um acordo de vontades visando a conjugação de esforços de todos os envolvidos em prol de um interesse recíproco e sem intuito lucrativo, contudo, deles diferenciado por não se tratar de um relação estabelecida entre o Município e outros entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas, nem entre o Município e entidade filantrópica e sem fins lucrativos da área de saúde, nos termos do §1º do art. 199 da Constituição Federal – hipóteses que estaríamos diante de um convênio – ou de relação entre o Município e Organizações da Sociedade Civil com finalidade de execução de projeto ou programa – hipótese na qual o adequado seria a celebração de parcerias.
Note-se que tanto convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres não são sinônimos que a própria União Federal traz, no “Portal de Convênios” do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 8 as seguintes definições que distinguem os instrumentos de convênio, contrato de gestão e protocolo de intenções:
Contrato de Repasse: Instrumento administrativo por meio do qual a transferência dos recursos financeiros processa-se por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatária da União.
Convênio: Acordo ou ajuste que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, do Distrito Federal ou municipal, direta ou indireta, consórcios públicos, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.
O Protocolo de Intenções é um instrumento com objetivo de reunir vários programas e ações federais a serem executados de forma descentralizada, devendo o objeto conter a descrição pormenorizada e objetiva de todas as atividades a serem realizadas com os recursos federais.
O Tribunal de Contas da União também normatizou os acordos de cooperação e instrumentos congêneres nacionais ou internacionais por meio da Portaria SEGEPRESS n.8, de 9 de outubro de 2015, no qual reconheceu, expressamente, a existência de instrumentos de colaboração que não as parcerias e os convênios:9
Art. 2. Para os fins desta Portaria, considera-se:
IV – partícipe: órgão ou entidade, nacional ou internacional, signatário de acordo de cooperação ou instrumento congênere; e
V – nomenclatura de instrumentos de cooperação: denominação atribuída comumente aos instrumentos de cooperação, de âmbito nacional, pactuados pelo TCU.
§ 3º Constituem, entre outras, nomenclaturas de instrumentos de cooperação utilizadas pelo TCU:
a) protocolo de intenções: instrumento firmado previamente à celebração de acordo, ou instrumento congênere, que contempla intenções almejadas no âmbito da cooperação a ser pactuada cuja articulação ainda não evoluiu para atribuições plenamente definíveis em acordo;
b) acordo de cooperação: instrumento relativo à cooperação entre órgãos ou entidades que possui cláusulas com atribuições bem definidas para os partícipes envolvidos; e
c) protocolo de execução: instrumento relativo à cooperação entre órgãos ou entidades derivado de acordo ou instrumento congênere previamente firmado, objetivando a especificação em ações, para fins de execução, de uma ou mais atribuições previamente estabelecidas em acordo de cooperação, sendo possível vincular, se necessário, um ou mais protocolos de execução para cada acordo de cooperação.
Da mesma forma, o Conselho Nacional de Justiça10 e o Superior Tribunal de Justiça11 distinguem, dentre os instrumentos que firmam, Protocolos de Intenção, Protocolos de Cooperação Internacional, Convênios e Acordos de Cooperação Técnica, todos eles sendo autorizados e firmados sob o pálio do art. 116 da Lei 8.666/1993.
Assim, devem ser também firmadas por instrumentos congêneres as relações que a administração pública estabelece, independentemente da natureza jurídica do participante, quando a finalidade dessa relação não se enquadra no conceito de parceria. Isso porque, apesar de atenderem a uma finalidade de interesse público, motivação permanente dos atos da administração, a ação não busca a execução de um objeto de interesse mútuo, construído de forma colaborativa e conjunta pelas partes e cuja execução, seja da atividade ou do projeto, realizada pelo terceiro será acompanhada metodologicamente pela administração.
Como exemplo dessa relação congênere tem-se no Município de Belo Horizonte o Programa Adote o Verde, instituído pelo Decreto nº 14.708, de 14 de dezembro de 2011, que tem como finalidades a participação da sociedade no cuidado com as áreas verdes do Município; a conscientização da população acerca da importância das áreas verdes, propiciando a preservação destas; e o incentivo ao uso das áreas verdes pela população. O Programa possibilita que a sociedade (pessoa natural ou jurídica, independentemente da natureza de sua constituição) promova a implantação, reforma ou manutenção de áreas verdes públicas, tais como praças, parques, canteiros, jardins, etc. Publicidade é a contrapartida à adoção da área urbana. O Município permite que o adotante coloque placas indicativas de sua parceria no interior da área adotada, conforme critérios estabelecidos no regramento do Programa.
Em casos como o Adote o Verde, mas não apenas nesses, a relação jurídica entre a administração e o terceiro tem sido formalizada, no Município de Belo Horizonte, por meio de instrumento congênere intitulado Termo de Cooperação – expressão essa utilizada pelo próprio decreto que instituiu o Programa.12
Note-se que a principal característica do Adote o Verde é não fazer distinção quanto à natureza jurídica do partícipe-adotante. Não interessa, para os objetivos do programa e para o interesse público, se se trata de adotante pessoa natural ou jurídica, com ou sem finalidade lucrativa. Uma médica, um cidadão aposentado ou dona de casa, uma OSC, uma grande empresa ou mesmo um ente da administração pública atuam, perante o Município, em pé de igualdade, sendo todos potenciais parceiros.
Nessas situações, o enquadramento como parceria regida pela Lei 13.019/2014 torna-se absolutamente descabido. Ao mesmo tempo, não se pode interpretar a proibição de uso de convênios pelo art. 84 da Lei 130.19/2014 como tendo proibido a própria celebração de tais atos de cooperação entre a administração pública e a sociedade civil.
O regime de colaboração tem, no atual sistema democrático, papel fundamental, e não pode ser limitado por uma interpretação ampliativa da vedação imposta pelos art.84 e art. 84-A da Lei 13.19/2014. Neste sentido, o “compartilhamento da gestão administrativa – seja contando com a cooperação dos demais entes federativos, órgãos e entidades públicas, seja compartilhando-a com particulares – independente se a finalidade destes é lucrativa ou não”,13 é característica marcante do modelo de Administração Pública consensual.
Assim, seria absolutamente dissonante do sistema jurídico brasileiro atual uma interpretação segundo a qual a restrição ao uso dos convênios alcançasse, também, todos os outros instrumentos de parceria elencados no art. 116 da Lei 8.666/1993.
Não se pode descurar, de modo algum, do processo sistemático de interpretação normativa. Conforme alerta de Carlos Maximiliano,
Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos.
Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço. (…)
A verdade inteira resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida; examine-se a norma na íntegra (2), e mais ainda: o Direito todo, referente ao assunto. A lém de comparar o dispositivo com outros afins, que formam o mesmo instituto jurídico, e com os referentes a institutos análogos; for ça é, também, afinal pôr tudo em relação com os princípios gerais, o conjunto do sistema em vigor. 14
Assim, a leitura dos dispositivos da Lei 13.019/2014 devem ser feita com base no sistema jurídico como um todo, sistema esse cada vez mais consensual, colaborativo e menos impositivo,15 mesmo no âmbito da Administração Pública.
Destarte, como fundamento legal para execução de acordos colaborativos que não se enquadram nem como parcerias, nem como convênios nos termos definidos pela Lei 13.019/2014, continua vigendo o art. 116 da Lei 8.666/1993, mostrando-se ele, a nosso ver, perfeitamente adequado para tanto. Em suma: não há que falar que o reconhecimento e a utilização de figuras congêneres fere as determinações da Lei Federal nº 13.019/ 2014.
Considerações Finais
As parcerias, nos termos do definido pela Lei 13.019/2014, tem definição legal. Da mesma forma, ao limitar o alcance da expressão “convênios” exclusivamente aos termos firmados entre entes federativos e as pessoas a eles vinculadas e aos convênios de saúde complementar, a Lei 13.019/2014 não revogou nem tácita, nem expressamente o art. 116 da Lei 8.666/1993.
Tal dispositivo continua vigente e aplicável não somente aos convênios, conforme definido pela Lei 13.019/2014, mas a todos os outros acordos, ajustes e instrumentos congêneres que não se enquadrem no conceito de parceria, instrumentalizado por meio de termo de colaboração, termo de fomento, acordo de cooperação, ou no conceito de convênio, ou nas demais relações instrumentalizadas por meio de termo de parceria, contrato de gestão ou contrato.
Assim, se outrora só haviam os contratos em sentido estrito e os convênios, hoje é possível a defesa de que a formalização das relações jurídicas a serem estabelecidas com a administração pública pode ocorrer por meio da utilização de: contratos; parcerias; convênios e demais congêneres.
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